quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Entrevista à Secretária de Estado do Turismo - Ana Mendes Godinho


No âmbito do Ano Internacional para o Turismo Sustentável para o Desenvolvimento a SAT promoveu um entrevista junto da Secretária de Estado do Turismo, Ana Mendes Godinho, onde foram abordados diversos temas como a Estratégia para o Turismo 2027, o contributo do Turismo para o Desenvolvimento e Coesão Territorial, os programas de incentivo ao Turismo e o caso particular do Turismo de Natureza.


Foto da Secção de Ambiente e Território
(da esq. para dir.: Filipe Beja, Cátia Rosas, Ana Mendes Godinho e Luis Calaim)

O Governo lançou o processo de discussão pública da Estratégia para o Turismo 2027 (ET27), procurando fazer desta, uma estratégia partilhada. Como tem decorrido a participação das entidades públicas, empresas do setor, sociedade civil e demais stakeholders? O que destaca como fatores positivos?
O turismo que hoje temos é um exemplo de sucesso de uma parceria entre setor público e setor privado, norteados por uma vontade comum de criarem as condições necessárias para garantir a competitividade do destino Portugal, da qual foi pilar o Plano Estratégico Nacional de Turismo, em 2006.
Este Plano Estratégico teve o seu fim em 2015 pelo que considerámos essencial lançar as bases para a construção de uma nova estratégia a 10 anos, que preparasse o turismo português para os desafios da próxima década.
Nesse sentido, apresentámos em maio de 2016 as bases para a construção da Estratégia para o Turismo 2027 (ET 27), processo participado, plural, de diálogo, que incluiu a auscultação da oferta, da procura internacional e da sociedade civil.
Foram realizadas em Portugal 10 sessões públicas: 7 regionais e 3 temáticas (sobre tendências internacionais, conhecimento e formação) que envolveram mais de 1.000 pessoas incluindo operadores turísticos, hoteleiros, associações, organismos regionais de turismo e instituições de ensino.
O processo de construção da ET 27 incluiu também a realização de focus group em 5 mercados estratégicos emissores – Reino Unido, França, Alemanha, Espanha e Brasil – onde ouvimos cerca de 80 entidades que vendem e comunicam internacionalmente a oferta turística portuguesa.
Penso que estes números revelam bem o interesse que a discussão da estratégia despertou nas pessoas e que enriqueceu todo o debate público. Esta abertura à sociedade civil foi um dos principais fatores positivos desta fase de construção da ET 27. O número e qualidade das propostas que recebemos demonstra que foi um processo ganho e mobilizador, o que denota também a importância que o turismo tem hoje na sociedade portuguesa.
Tendo em conta as assimetrias no setor, por exemplo a concentração de dormidas essencialmente em três regiões (73% em Lisboa, Algarve e Madeira) e no litoral de Portugal Continental (cerca de 90%), que modelo de desenvolvimento preconiza para os próximos 10 anos: a maior concentração e atratividade destes territórios, vincando essa marca no exterior, ou um maior investimento (em proporção) na atratividade dos territórios do interior, baixa densidade e arquipélago dos Açores?
Uma das preocupações deste Governo no que respeita ao turismo é introduzir dinâmicas que conduzam à desconcentração da procura turística ao longo de todo o território e ao longo do ano. Um turismo inclusivo, sustentável para as regiões e pessoas, que contribua para a coesão territorial é essencial para o desenvolvimento do país.
Os resultados obtidos nos principais indicadores turísticos – hóspedes, dormidas e receitas – até novembro de 2016 demonstram que estamos a alcançar este objetivo, com crescimentos a dois dígitos em todas as regiões e com 63% do crescimento turístico a acontecer fora da época alta.
Temos estado a trabalhar, em conjunto com as regiões e com os vários stakeholders, no sentido de estruturar e promover a oferta turística ao longo do país e aproveitar as dinâmicas da procura para apresentar um outro Portugal turístico, um Portugal por descobrir e onde as pessoas se descobrem, um Portugal de caminhos, de circuitos pedestres, de passeios de bicicleta, de experiências, de património, cultura e natureza, de gastronomia, de festas e tradições em todo o país.
E esta descoberta tanto se faz no interior do país, nas zonas com tradicionalmente menos procura turística, mas também na descoberta de novas potencialidades que regiões mais maduras, como por exemplo o Algarve, têm.
Temos, todos nós, de saber vender melhor a singularidade das nossas regiões, os nossos produtos, de saber mostrar o que de bom se pode fazer e experienciar em Portugal durante 365 dias por ano.
Temos de ter um país com capacidade de comunicar e de atrair pessoas ao longo de todo o ano, usando o turismo como um instrumento para promover Portugal como um país bom para investir, trabalhar, viver e estudar.

Que programas desenhou para ajudar a contribuir para oportunidades do setor no interior? Qual tem sido a adesão dos autarcas desses concelhos e que aspirações têm demonstrado? Pode identificar alguns exemplos?
A coesão territorial foi identificada na construção da estratégia para o turismo como um dos 10 desafios e oportunidades para a próxima década.
Neste sentido, o Plano Nacional para a Coesão Territorial conta com uma forte participação do turismo, através da identificação de um conjunto de medidas que podem contribuir para o desenvolvimento turístico do interior do país, nomeadamente:
  • diversificação de produtos em torno do património natural e cultural (ex: turismo equestre, rotas pedestres e cicláveis, aldeias, termas e bem-estar);
  • dinamização do turismo interno (incluindo a retoma dos programas de turismo senior que foram descontinuados);
  • promoção conjunta com Espanha de rotas e percursos transfronteiriços;
  • valorização da gastronomia e dos produtos locais através das escolas de turismo;
Como forma de acelerar e incentivar o desenvolvimento destes projetos, criámos o programa Valorizar, com uma dotação de 20 milhões de euros, para apoiar o investimento e a dinamização de produtos turísticos diferenciadores, que tem linhas de financiamento específicas para:
  • Projetos de valorização turística do interior;
  • Disponibilização de wi-fi nos centros históricos;
  • Turismo para todos para capacitar espaços públicos e oferta turística para poderem ser usados por pessoas com mobilidade condicionada.
Não posso deixar de destaco, em particular, dois projetos que considero estruturantes: o Revive e os Portuguese Trails.
O Revive surge como uma resposta à necessidade de recuperação e valorização do património e de criar oportunidades de desenvolvimento turístico no interior. Em conjunto com a Cultura e com as Finanças e com os municípios, identificámos um conjunto de imóveis públicos que não estão a ser usados e que podem ser âncoras de desenvolvimento nas zonas onde se inserem e de criação de emprego.
Tem sido impressionante o número de imóveis que nos tem sido sinalizado pelos municípios e pelas populações, pedindo que sejam incluídos no programa.
Ao nível da estruturação de produto associado à natureza, destaco o projeto que estamos a desenvolver “Portuguese Trails”, que tem tido também uma forte adesão por parte dos municípios, das associações e dos operadores.
É um projeto difícil e desafiante porque é transversal e envolve muitas entidades, mas com um retorno evidente em termos de projeção de Portugal como país de natureza, de património e de experiências únicas, levando as pessoas a conhecer a diversidade do território.
Começámos com um projeto piloto no Algarve, que estamos neste momento a alargar a todo o país.

A Organização das Nações Unidas (ONU) promoveu a declaração de 2017 como Ano Internacional do Turismo Sustentável para o Desenvolvimento. Da agenda governativa no âmbito do Turismo Sustentável, o que destacaria, em particular, para o presente ano?
Começaria por destacar que Portugal foi escolhido como parceiro da Organização Mundial de Turismo das Nações Unidas (OMT) para as comemorações do Ano Internacional do Turismo Sustentável.
É o reconhecimento internacional das políticas que este Governo tem vindo a desenvolver nesta área, nomeadamente:
  • o programa “All for All”, centrado no Turismo Acessível, onde estamos a dinamizar Portugal como destino para todos.
Neste programa estão incluídas as várias vertentes de capacitação da oferta, estruturação de produtos, formação e recursos humanos, divulgação de roteiros e promoção.
  • o observatório de sustentabilidade no Alentejo, desenvolvido em parceria com a Entidade Regional de Turismo, para monitorizar a sustentabilidade da atividade turística na Região, através de um painel de indicadores e metodologia predefinidos pela organização das Nações Unidas;
  • o programa Revive de recuperação e valorização do património para fins turísticos.
Como pensa que será possível criar um equilíbrio entre o desenvolvimento económico, que pode impulsionar Portugal, e os impactes que essas escolhas podem ter? Por exemplo, vejam-se os casos de concessão para exploração de gás e petróleo em Portugal, assinados pelo anterior Governo, e as suas eventuais consequências nos sistemas ecológicos e no turismo, num período em que se procura também descarbonizar a economia. Como vê as oportunidades que se colocam, tendo em conta os aspetos da agenda "Turismo Sustentável para o Desenvolvimento"?
De acordo com a OMT, desenvolver o turismo de forma sustentável implica ações que sejam socialmente justas, economicamente viáveis e ambientalmente corretas, isto é, que atendam as necessidades económicas, sociais e ambientais da sociedade.
A sustentabilidade é feita de equilíbrios, que por vezes não são fáceis, e que exigem ponderação e escolhas com base em informação fidedigna, transparente e clara e com envolvimento ativo das populações na decisão.
É isso que temos feito e por isso, assumimos claramente a necessidade de uma estratégia para o turismo a 10 anos, abrangente, discutida e participada por todos.
Todos os projetos que temos desenvolvido refletem um diálogo permanente com os vários Ministérios - desde a Cultura, ao Ambiente, ao Mar, à Ciência, à Energia – com as autarquias, com as entidades regionais, com as populações, tendo sempre presente que o turismo só terá futuro se for sustentável, nas suas várias dimensões.
Aliás, um dos principais pontos fortes que quem nos visita destaca é a singularidade e autenticidade do destino Portugal - assente no património, natureza e pessoas. Estes são ativos únicos que Portugal não vai nem pode desperdiçar.
Neste momento, há uma plena consciência da importância do turismo na economia nacional: é o principal setor exportador e representa 17% do total das exportações de bens e serviços e 49% das exportações de serviços.
O turismo pode ter cada vez mais um papel ativo na coesão territorial, na dinamização das economias regionais, na promoção dos produtos regionais, na criação de emprego e na valorização do território e do património natural e cultural, e é nisto que estamos concentrados.
Portugal tem todas as condições para ser um exemplo de destino turístico sustentável por excelência, o que aliás demonstra o facto de ter sido escolhido pela OMT para parceiro para as comemorações do Ano Internacional do Turismo Sustentável.

Como antevê que evolua o emprego no setor, em particular, relativamente ao impulso que se pretende no âmbito do Turismo Natureza?
O ano de 2016 foi um ano com resultados muito positivos para o turismo em Portugal e concretamente para a criação de emprego. Nos últimos 5 anos, o turismo tinha vindo a perder postos de trabalho. Em 2015, a diminuição foi de cerca de 10%.
Em 2016, essa tendência negativa inverteu-se e foram criados cerca de 45.000 postos de trabalho no turismo ao longo do ano, sendo que muitos na época baixa. É importante lembrar que dois terços do crescimento turístico em 2016 no Algarve foi nos meses de época baixa.
Só em novembro de 2016 tínhamos mais 30.000 novas pessoas declaradas à Segurança Social no turismo face a novembro de 2015.
Outro indicador positivo foi a criação de empresas de animação turística em 2016. Surgiram 1.500 novas empresas ligadas a atividades de animação cultural e natureza.
O turismo não é um valor fechado em si. Só faz sentido continuarmos a crescer e a inovar se esse crescimento se traduzir numa melhora significativa das condições de vida das pessoas que trabalham no turismo.
A estratégia que temos vindo a desenvolver coloca as pessoas no centro das nossas preocupações, concretamente as populações locais e os trabalhadores. Por isso, o nosso grande foco em implementar medidas e ações que promovam uma atividade turística sustentável ao longo do ano porque só assim teremos relações de trabalho estáveis e não precárias.
Assumimos como prioridade a qualificação e valorização das pessoas que trabalham no turismo, desde logo através da aposta clara nas escolas de turismo, que estavam com uma situação de indefinição quanto ao seu futuro.
Estamos também a fazer uma revisão profunda dos curricula, com reforço de competências de soft skill e novas áreas de formação relacionadas com as atividades ao ar livre. Apostámos claramente em desenvolver ações de formação nos locais de trabalho, levando as escolas para o mercado real de trabalho, e em promover o diálogo social.
Quanto mais qualificadas forem as pessoas, mas serão valorizadas pelas empresas e mais se tornam indispensáveis.

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