Para assinalar o Dia Internacional dos Direitos Humanos, convidámos Susana Amador a contribuir com uma reflexão sobre o tema, que aqui partilhamos.
Curiosidades: A data foi instituída em 1950, dois anos após a Organização das Nações Unidas (ONU) adotar a Declaração Universal do Direitos Humanos como marco legal regulador das relações entre governos e pessoas. Nesta declaração estão descritos os direitos básicos que garantem uma vida digna para todos os habitantes do mundo (liberdade, educação, saúde, cultura, informação, alimentação e moradia adequadas, respeito, não-discriminação, entre outros).
A declaração é, nesse sentido, um marco normativo que serve de guia para as condutas de governos e cidadãos.
A garantia efetiva dos direitos humanos – a todos os povos e nações – requer vigilância contínua e participação coletiva. Uma data para reivindicarmos ações concretas de todos os Estados para o cumprimento dos compromissos assumidos com a garantia dos direitos civis, políticos, sociais e ambientais.
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AS CRIANÇAS E O “DIREITO A TER
DIREITOS”
“Podemos nunca vir a saber que resultados
produz a nossa ação. Mas, se nada fizermos, não haverá resultados”.
Mahatma Gandhi,
A abordagem Internacional às crianças tem vindo a mudar. A ideia de
que as crianças têm especiais necessidades, deu lugar à convicção que as
crianças têm direitos e o mesmo catálogo de Direitos civis, políticos, sociais,
culturais e económicos que os adultos.
A proteção é um dos
objetivos fundamentais dos direitos humanos e do direito humanitário em geral,
mas é seguramente também uma realidade que ganha importância acrescida quando
considerada em relação a pessoas particularmente vulneráveis, como as crianças.
Espera-se que todos os
membros da sociedade possam aderir de forma crescente á Agenda dos Direitos da
Criança para o Século XXI, aprovada pela ONU num movimento mundial que
contribua para a criação de um mundo apropriado para as crianças, subscrevendo
os seguintes princípios e objetivos:
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Colocar as crianças em 1º lugar em estrito cumprimento
da regra do melhor interesse da criança;
-
Erradicar a pobreza, rompendo o ciclo de pobreza numa
só geração;
-
Não permitir que nenhuma criança seja discriminada;
-
Cuidar de todas as crianças;
-
Educar todas as crianças;
-
Proteger as crianças da violência e da exploração;
-
Lutar contra
o VIH/Sida;
-
Assegurar o princípio da participação;
-
Proteger a terra para as crianças, defendendo o nosso
meio ambiente natural com a sua diversidade biológica, belezas e recursos que
melhorem a qualidade de vida para as gerações atuais e futuras;
-
Proteger as crianças da guerra.
A exaltação
dos Direitos da Criança tem vindo a ser feita de forma paulatina, comparada com
a necessidade urgente para que ainda hoje milhões de crianças nos interpelam em
todo o mundo.
As crianças
têm sido ao longo dos séculos o rosto visível dos impactos devastadores das
guerras, da fome, do tráfico humano e da violação sistemática aos seus mais
elementares direitos humanos.
O tráfico de crianças, onde quer que aconteça, é uma
terrível e intolerável violação dos seus direitos fundamentais a um
crescimento saudável, à integridade física, á liberdade, á vida!
Cada um dos
Estados envolvidos, como país de origem, de trânsito ou de destino, mas também
as instâncias internacionais, devem procurar urgentemente formas de ação mais
consequentes.
A crise atual
dos Refugiados tem revelado à exaustão os dramas que as crianças enfrentam, muitas
vezes perdendo a sua vida em longas travessias marítimas, terrestres ou no
decurso de conflitos armados.
Na verdade
mais de metade dos 40 milhões de refugiados do mundo são mulheres e crianças.
A
relação final entre os Direitos Humanos e os problemas dos refugiados reside na
formulação e adoção de soluções duradouras. Enquanto existirem violações dos
Direitos Humanos nos países de origem, duvida-se que algum refugiado decida
regressar voluntariamente. Assim, o restabelecimento do respeito por todas as
categorias de direitos e a promoção dos mesmos, assim como o fim dos violentos
conflitos nos países de origem, são condições necessárias para que se realize o
regresso voluntário. Afinal, tudo começa com a violação de um ou mais direitos
e tudo pode cessar com o restabelecimento desse direito, daí que a prevenção
dos conflitos, a supervisão internacional permanente, a condenação das
violações perpetradas e a assistência ao desenvolvimento sejam determinantes.
Portugal,
enquanto membro do Conselho da Europa e Estado signatário da Convenção sobre os
Direitos da Criança, tem também especiais responsabilidades quanto aos seus
direitos e proteção adequada. O nosso ordenamento jurídico reflete obviamente
tal proteção.
Assim, o artigo 69º da Constituição consagra o
direito das crianças à proteção, impondo-se os correlativos deveres de
prestação ou de atividade ao Estado e à sociedade. Este direito poderá
justificar medidas especiais de compensação, sobretudo em relação às crianças
em determinadas situações.
Infelizmente,
nos últimos quatro anos, na sequência de uma deriva de direita e das políticas
recessivas implementadas pelo PSD/CDS, as crianças portuguesas foram o rosto da
crise. Com efeito, segundo os mais recentes dados do INE/Eurostat temos 850 mil
crianças e jovens em situação de pobreza ou exclusão social. Por cada mês que a
coligação PAF governava caiam na pobreza ou exclusão social 7 mil pessoas, das
quais 2 mil são crianças e jovens.
O efetivo
exercício dos direitos enunciados na Convenção dos Direitos da Criança, requer
a firme convicção de traduzir progressivamente o que se encontra contemplado
nas normas jurídicas, em práticas sociais e políticas públicas que assentem na
promoção da igualdade de oportunidades e no desenvolvimento integral de todas
as crianças e jovens, garantindo um exercício da cidadania, cada vez mais
pleno. O edifício legislativo internacional, europeu e nacional está
construído, carece de aperfeiçoamentos e urge fazê-lo cumprir...Trata-se de um imperativo ético
indeclinável e todos nós somos responsáveis por esta impunidade e continuada
violação aos Direitos das Crianças e por uma ainda não efetiva cultura de
infância.
Susana Amador
Deputada à Assembleia da República/Ex Consultora do
ACNUR