segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Entrevista a Rui Nobre Gonçalves

Depois do interessante À conversa com... do passado dia 17 de novembro apresentamos aqui o resumo em formato de entrevista ao Eng.º Rui Nobre Gonçalves

Secção Ambiente e Território (SAT:) Com 37 anos era chefe do gabinete do ministro-adjunto do primeiro-ministro, numa equipa jovem e dinâmica, tendo depois sido secretário de estado do Ambiente e das Florestas e do Desenvolvimento Rural. Que boas memórias e marcos se mantêm do seu trabalho em diferentes Governos?

Rui Nobre Gonçalves (RNG): Trabalhei com pessoas diferentes, mas muito de perto com alguém, o Engº Sócrates,  que dava muita força política às equipas que dirigia. No ministério do ambiente, a equipa envolvia-se muito nos problemas e percebeu que fazer as leis é apenas o primeiro passo para que as coisas mudem. Há muito mais do que isso!
Na agricultura foi mais difícil, por ser uma estrutura mais consolidada, com muitos “lobbys” e interesses instalados. De qualquer forma, desta experiência destaco a criação das Zonas de Intervenção Florestal e a Estratégia Nacional para as Florestas. Dois marcos que ainda hoje são referidos como bons exemplos. Nessa altura tive a oportunidade de trabalhar em parceria com o ministro da administração interna, Dr. António Costa, o que permitiu coordenar as políticas de combate e as políticas de prevenção de incêndios.

SAT: Tendo trabalhado em ambos os ministérios, como encara a Fusão do ICNF neste último Governo? Deve ser mantida? 

RNG: Primeiro tenho de afirmar que a fusão da Autoridade Florestal Nacional com o Instituto da Conservação da Natureza, criando o Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) foi tomada de forma arbitrária e depois não houve o necessário apoio político para que tivesse sucesso. Quando olhamos para o sector florestal não podemos ignorar o natural conflito entre a função de conservação e a função de produção. Estas funções devem estar autonomizadas e é a um nível superior que se deve decidir, de forma transparente e explícita, se, em cada situação, se reforça o papel conservacionista ou o produtivista.

SAT: Como organizaria de forma estrutural as diferentes organizações do Estado com tutela ambiental?

RNG: Sempre que chega um novo Governo mudam as orgânicas dos ministérios, consumindo-se muito tempo nessa reorganização. Na minha opinião deve ser estabilizada a estrutura administrativa do Estado. Devemos chegar a um consenso ao nível da sociedade que permita consolidar a orgânica dos serviços públicos durante, pelo menos, 10 anos. As orgânicas mantêm-se, os ministros é que podem gerir estes ou aqueles serviços. Processos como o do ICNF ou da APA não podem acontecer sistematicamente. Passados 4 anos, o processo da APA ainda está em fase de conclusão, o que prejudica o bom desenrolar das funções do Estado.

SAT: Passou pela EGF – Como é que vê o processo da privatização?

RNG: Está provado nas sociedades modernas e democráticas, com destaque para a experiência do Reino Unido, que quando se privatiza um monopólio não dá bom resultado para os utilizadores e consumidores. A tendência é para que os preços aumentem e os serviços se degradem. Ou seja, num monopólio público que é transferido para o setor privado, naturalmente o lucro passa a ter precedência sobre a qualidade do serviço. Além disso, a EGF, tal como a Águas de Portugal, funcionava como “benchmark” e puxava pelas restantes empresas do setor, quer públicas, quer privadas.

SAT: Nas últimas semanas têm vindo notícias a público denunciado atentados ambientais com repercussões negativas a nível da sociedade e da economia. Veja-se o caso do escândalo da Volkswagen ou da rutura das barragens em Minas Gerais. Considera que estes exemplos possam ser significativos para a mudança da perceção sobre a importância do ambiente?

RNG: O que estes casos evidenciam é que as políticas ambientais são essenciais não só para o bem-estar das pessoas mas também para a evolução das economias. O sucesso da indústria automóvel tem muito a ver com o cumprimento de legislação ambiental. As normas ambientais na UE para esta indústria conduziram a carros mais limpos e mais eficientes, com menores consumos de combustível, tornando-se apetecíveis a nível mundial.
Claro que exige inovação, investimento em novas tecnologias, mas num mercado global como o dos automóveis, esse investimento é largamente recompensado. De qualquer forma, o que se sente é que as políticas ambientais continuam a ser defensivas, procurando apenas preservar em vez de transformar. Ora, num mundo em que há cada vez menos trabalho para oferecer aos trabalhadores disponíveis, temos de encontrar novas formas de financiar o Estado que não se baseiem na taxação do fator trabalho. Se, como socialistas, defendemos um Estado presente, nomeadamente, em políticas de saúde, educação e justiça, então temos de procurar novas fontes de receita. Atenção, que o que pretendemos é transformar os impostos recebidos em benefícios para a sociedade. Podemos e devemos taxar a poluição de forma consistente e reduzir os impostos sobre o trabalho, a TSU, de forma a melhorar o ambiente e a qualidade de vida. Se queremos ter um Estado interventivo, temos de ter um Estado financeiramente forte.

SAT: Como é que as secções temáticas podem contribuir de forma efectiva no modelo de governação do PS?

RNG: As secções temáticas podem desempenhar um papel extremamente importante. No
parlamento, por exemplo, os deputados devem representar efetivamente quem os elegeu, para além de observar, fiscalizar e intervir quando o governo ou a tutela central decide contra o que consideram correto. Mas também devem verificar o que se passa por todo o território nacional e a ação das estruturas do Estado, regionais e locais. Um deputado tem de estar atento aos “seus” presidentes de junta de freguesia e câmaras municipais, aos “seus” directores regionais do ICNF, DRAP’s, CCDR’s, etc.
Neste sentido e da mesma forma, as secções temáticas, como a do ambiente e território, também têm de promover as questões de ambiente e território junto dos deputados, governantes e sociedade civil, apresentar propostas, apoios ou denúncias.
Precisamos de estruturas do PS fortes e ativas, com capacidade de intervenção e comunicação.

Pequena nota biográfica – Eng.º Rui Nobre Gonçalves 
É engenheiro do Ambiente.
Entre 1997 e 1999 desempenhou funções de chefe de gabinete do Ministro-Adjunto do Primeiro Ministro, colaborando nas políticas de defesa do consumidor e prevenção da toxicodependência.
Entre 1999 e 2002 foi Secretário de Estado do Ambiente e entre 2005 e 2008 Secretário de Estado do Desenvolvimento Rural e das Florestas.
Entre 2008 e 2012 foi administrador da EGF (Empresa Geral do Fomento) e presidente das empresas regionais Resiestrela e Valnor.
Coordena o Grupo de Trabalho Polis Litoral na Agência Portuguesa do Ambiente.

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